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Pandemia
Atualizado: 17 de ago. de 2021

Alison Pereira Nolasco
Numa quarentena, faça o que tenha de ser feito: saia de casa, reúna os amigos, uns doze, no mínimo, para assistir às lives dos cantores favoritos; vá ao supermercado várias vezes e compre tudo que puder; patrocine o caos não dando ouvidos aos médicos; compartilhe notícias não verificadas em uma rede social; escreva projetos para daqui dez anos num papel e veja como eles nunca se concretizarão caso tenha feito tudo o que foi mencionado; aprecie sua morte sofrida e dolorosa, lenta, amarga onde nem o cadáver terá destino igual aos que morrem sem ter o vírus como motivo. Nunca foi visto antes uma quarentena-carnaval. Pessoas morrem e alguns insistem em sair de casa. Típico de um bom malandro, brasileiro nato, que pensa que pode passar por tudo ileso, das doenças até os (des)amores. Todos desta abençoada terra do samba, de problemas complexos e dificuldades mil, se esbanjam em banalidades, leem pouco e mal, fazem pouco caso das coisas importantes e dão importância a coisas banais. Típico, único, o Brasil tende a ser uma baderna, batalha fortemente para manter o título sem um pingo de vergonha. A vergonha, que é generalizada, passa pelos prédios pichados, corre entre as vielas das favelas onde as oportunidades nunca batem nas portas e termina no palácio dos bobos. O maior dos bobos, inclusive, nos comanda e representa, ou, no mínimo, pensa que comanda e nos representa. Tem seus fiéis bobos que apertam suas mãos sujas, aceitam suas migalhas e escondem debaixo do tapete da ignorância todas as mentiras e atrocidades de seus discursos. Somos fadados à máxima limitação do debate e redução do mesmo a gritos e falsos dados estatísticos. Não saio de casa pois já não o fazia muito antes de pandemia. A melancolia bateu na minha porta muito antes de uma doença ou algum carteiro. E se pudesse dizer para que todos fiquem em casa, diria. Mas receio que esses que saem, se contaminam, matam e morrem, são os mesmos que não se reconhecem em casa como sendo seu lar. São aflitos, desesperados por festas, drinks, fotos e atenção do mundo. Sozinho em casa, sem ostentação em público, a chance de se contrair a tristeza é maior que a de um vírus. Sozinho em casa, não se tem máscaras, sozinho em casa, tem-se apenas a família e esta, às vezes, bate - e muito, no ego, nos alicerces mal feitos, em tudo que alguém que não se conhece na solidão não suportaria em uma quarentena. Gostaria que todos ficassem em casa, mas apenas os fortes de coração têm coragem para tal. Pode parecer fácil, mas para uma pessoa das paixões da rua, a casa é o último lugar que se deseja estar. Quem lê isso, em casa, é, no mínimo, um grande herói do mundo contemporâneo.
